Conferência do Vaticano pondera quem realmente detém o poder da IA
CIDADE DO VATICANO (RNS) — Especialistas em Inteligência Artificial reuniram-se no Vaticano na quinta-feira para discutir as implicações desta tecnologia ascendente — que o Papa Francisco espera injetar com a moral e a ética cristãs — enquanto apelam à regulamentação internacional.
“O que aconteceu nos últimos 70 anos é que a sociedade é guiada pelo software”, disse pe. Paolo Benanti, franciscano e teólogo que assessora o Papa Francisco em questões de IA, durante seu discurso no evento do Vaticano.
“Quem tem o software, tem o poder”, acrescentou Benanti, que também é membro do Órgão Consultivo de IA das Nações Unidas.
A conferência, intitulada “Algoritmo a serviço do homem: comunicando-se na época da inteligência artificial”, é o mais recente de uma série de eventos organizados pelo Vaticano para abordar as crescentes preocupações sobre a IA e suas aplicações.
Através de canais formais e informais, o Vaticano e o Papa Francisco criaram redes em Silicon Valley e estabeleceram ligações com grandes intervenientes nos campos da tecnologia e das comunicações para promover uma abordagem ética à IA. Em janeiro, Francisco fez da IA o tema central da sua mensagem para o Dia Mundial da Paz e, em junho, tornou-se o primeiro pontífice a participar numa reunião do G7, onde falou sobre as ramificações éticas da IA.
Falando aos líderes dos EUA, Reino Unido, Itália, França, Canadá, Alemanha e Japão, o papa disse que, embora a IA represente “uma verdadeira revolução cognitivo-industrial”, a palavra final deve “sempre ser deixada à pessoa humana”.
Francisco falou sobre aprendizado de máquina e IA novamente em sua mensagem pública para o Dia Mundial da Comunicação Social, onde alertou sobre a capacidade da IA de “poluir” nossa compreensão da realidade por meio de notícias falsas e imagens deep-fake. O papa mencionou que também foi vítima das réplicas altamente realistas de IA que podem rapidamente se tornar virais online.
Assim que vi esta foto viral do Papa Francisco em uma jaqueta inflável, pensei: “AI falsa!” (E de fato é.) pic.twitter.com/EQqDkSxgFN
—Chico Harlan (@chicoharlan) 26 de março de 2023
O mundo está em uma encruzilhada, ele disse, onde a IA não regulamentada corre o risco de promover discriminação, polarização e injustiça. “Por um lado, enfrentamos o espectro de uma nova escravidão, por outro, de entregar liberdade; por um lado, há a possibilidade de que alguns condicionem os pensamentos de muitos, por outro, que todos possam participar da elaboração de nossas crenças”, disse Francis.
A mensagem do papa foi o documento inspirador para a conferência do Vaticano na quinta-feira, onde especialistas falaram sobre o poder que interesses financeiros influentes terão na definição do futuro da IA.
“Os grandes produtores de tecnologia estão infundindo inteligência artificial em nossos computadores”, disse Benanti sobre a crescente presença e atuação da IA nos dispositivos do dia a dia. “Este é um desafio para o qual ainda não estamos preparados”, acrescentou.
A vice-diretora geral da Agência Nacional de Segurança Cibernética da Itália, Nunzia Ciardi, também alertou na conferência sobre a influência dos principais desenvolvedores de IA.
“A inteligência artificial é composta de investimentos econômicos massivos que somente grandes superpotências podem pagar e por meio dos quais elas garantem um domínio geopolítico muito importante e acesso à grande quantidade de dados que a IA deve processar para produzir resultados”, disse Ciardi.
“Poderíamos dizer que somos colonizados pela IA, que é gerida por empresas selecionadas que vasculham brutalmente os nossos dados”, acrescentou ela.
Os participantes concordaram que as organizações internacionais devem impor regulamentações mais rígidas para o uso e o avanço das tecnologias de IA.
“Precisamos de guarda-corpos, porque o que está por vir é uma transformação radical que mudará as relações reais e digitais e exigirá não apenas reflexão, mas também regulamentação”, disse Benanti.
O “Rome Call for AI Ethics”, um documento assinado por representantes da IBM, Microsoft, Cisco e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, foi promovido pela Academia para a Vida do Vaticano e estabelece diretrizes para promover a ética, a transparência e a inclusão na IA.
Outras comunidades religiosas também aderiram ao “Chamado de Roma”, incluindo a Igreja Anglicana e representantes judeus e muçulmanos. No dia 9 de julho, representantes das religiões orientais reunir-se-ão num evento patrocinado pelo Vaticano para assinar o “Apelo de Roma” em Hiroshima, Japão. O local foi decidido para enfatizar as consequências perigosas da tecnologia quando não controlada.
Falando aos participantes de outra conferência do Vaticano focada na IA, em 22 de junho, o Papa Francisco desafiou os participantes a repensarem a forma como definimos a inteligência artificial.
“Temos certeza de que queremos continuar chamando de ‘inteligência’ aquilo que não é inteligente?”, ele perguntou, convidando os participantes a “se perguntarem se o uso indevido desta palavra tão importante, tão humana, não é já uma rendição ao poder tecnocrático”.